quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Praticidade da coisa, ou como fazer um projeto de pesquisa


Um dos momentos mais espinhosos no trabalho do historiador está em, num momento qualquer de seu percurso, organizar suas idéias na forma de um projeto de pesquisa.

Procuramos, então, sistematizar aqui algumas dicas que nos permitam alinhavar nossas idéias na forma de uma proposta de trabalho coerente que, quando não nos permita ganhar uma bolsa polpuda, indique pelo menos qual caminho seguir. Como é um texto grande, o postaremos em doses homeopáticas, e seguiremos os conselhos de Jack, o Estripador , "vamos por partes". Eis a primeira:



AS ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA




PRIMEIRAS PALAVRAS

Em algum momento nos deparamos com a emergência de estruturar um projeto de pesquisa, e passamos por toda uma série de dificuldades que isto envolve. A estruturação de um projeto deve obedecer a alguns aspectos formais, no que diz respeito à coerência e viabilidade do que se propõe fazer na pesquisa. Contudo, é a criatividade do autor que vai fazê-lo diferente de todos os outros projetos; mais ou menos intrincado ou complexo; por fim, criar o projeto. Este é um ato pessoal e intransferível — feliz ou infelizmente, é atribuição única e exclusiva do próprio autor.

Devemos ter sempre na lembrança o fato de que um projeto é, antes de qualquer coisa, uma proposta de pesquisa. Promete-se algo que ainda não foi feito, mas que será realizado. E é exatamente nas lides da pesquisa que muitas vezes podemos ser levados a desistir e a abandonar o caminho até então percorrido.

O que pretende-se no presente texto é, justamente, apresentar um guia prático e básico para a elaboração deste projeto de pesquisa. Haja vista as etapas da própria pesquisa em si, não se esquecendo das experiências vividas ao longo da minha própria trajetória de pesquisador e orientador. É justamente a experiência de quem compartilha a dor da elaboração das etapas do projeto de pesquisa, e da realização da própria — visto que um projeto se faz com trabalho, sacrifício, pesquisa e um pouco de invenção e criatividade, dependendo aí de cada autor a quantidade e a ordem de entrada dos elementos citados.

Contudo, como alguma linearidade é aqui pretendida, devemos então começar o texto exatamente pela parte pela qual começa uma pesquisa: a busca do que pesquisar.

Pesquisa é um misto de paixão e inspiração. Da paixão, começará o interesse, que acabará guiando a escolha do que pesquisar. Uma vez já tendo delineado o objeto de pesquisas, é chegada a hora de questioná-lo. Não adianta nada, o tema apenas pelo tema. Ele só será alguma coisa, e a pesquisa só será uma pesquisa, a partir da hora em que houver uma dúvida, uma questão a ser feita. E isto é muito importante, porque a pesquisa em si é a resposta desta questão que faremos ao nosso objeto. A questão é, nada mais nada menos, do que a expressão e manifestação de nossa curiosidade e dúvida. Estudar, por exemplo, a Inquisição por si só não é nada além de um objeto descarnado, e não deixará de sê-lo, enquanto a Inquisição não for questionada e alimentada por esta centelha de dúvida. A autópsia descarnada do objeto por si só nada mais é do que mera dissecação descritiva. Palavras ao vento que não contribuem, nada acrescentam e, dependendo de quem pesquisa, nada tem de prazeroso.

Uma vez escolhido o tema, é chegada a hora de problematiza-lo. O que eu quero saber com ele? Tomemos, por exemplo, a ocupação romana em Portugal. Uma primeira leitura aos manuais de história daquele país nos mostra que a presença romana naquela região data do século IV a.C. Isto é apenas um dado estanque, visto que os romanos estavam presentes em praticamente todos os lugares do mundo conhecido no século IV a.C. O império se estendia pela Europa, África, e Oriente próximo. Dentro da Europa, os romanos estiveram em todos os cantos possíveis. Cabe, então, uma primeira pergunta, já que temos duas delimitações: a temática, que é a presença dos romanos em Portugal, e a cronológica, que data do século IV antes de Cristo. Eis aqui a delimitação cronológica e temática, onde também o objeto é delineado geograficamente. Os romanos ocuparam a Península Ibérica, à qual batizaram de Ibéria. Geograficamente, Portugal é um ponto menor da Península. Então, porque os romanos lá estiveram, se aquele pequeno pedaço de terra era ocupado por tribos bárbaras, como os lusitanos? A pesquisa, a princípio, se restringe temática, cronológica e geograficamente: presença dos romanos em Portugal no século IV antes de Cristo. A investigação começa a ficar mais sofisticada e complexa, na medida em que possíveis questões podem surgir quando confrontamos o tema, e que servirão para nortear, doravante, todas as nossas investigações e pesquisas. A fim de dar maior coerência ao projeto, é necessário que todas as questões a serem respondidas pela pesquisa sejam apresentadas, quer apareçam elas na forma de questões diretas, ou ainda de sub-questões a ela ligadas. Assim sendo, uma linha de questionamento e raciocínio pode ser exemplificada da seguinte forma:
• Porque motivo, com um império tão amplo e que mantinha suas legiões ocupadas, os romanos foram ocupar justamente Portugal, área geograficamente periférica da Península Ibérica, e mais periférica ainda dentro do contexto maior do Império?
• Uma vez que os romanos lá chegaram, como se deu a ocupação?
• Esta ocupação foi pacífica? Qual foi o grau de resistência dos habitantes de Portugal face à ocupação romana?
• Tendo em vista que a ocupação romana em Portugal foi um fato, quais os motivos que levaram à permanência dos romanos na região? Estrategicamente, num plano mais amplo no interior do Império, qual seria a importância daquela ponta de terra?


Fora estas delimitações e questionamentos básicos, um projeto de pesquisa ainda traz, dentro de si, diversas outras partes e aspectos formais que devem ser contemplados, e cuja construção e elaboração começaremos a ver, ponto por ponto, a partir de agora.

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